HISTÓRIAS DE CONFISCO
“not your keys, not your coins”
Impérios e Democracias. Sistemas capitalistas ou socialistas. De governos antes de cristo à modernidade e por todos os cantos do mundo, o ato de um governo confiscar ou bloquear ativos precisos, terra, poupança ou dinheiro de contas bancárias dos seus próprios cidadãos é uma constância na história da economia mundial e não uma exceção.
As HISTÓRIAS DE CONFISCO é um manifesto de defesa pelo direito de um dinheiro auto-custodiável e não confiscável.
As histórias não abarcarão as apropriações e roubos realizados entre países, como os àquelas realizadas entre colonizadores e colonizados ou em caso de guerra. O objetivo aqui é mostrar como o próprio governo de um país pode roubar seus cidadãos.
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Império Romano (27 a.C. — 395 d.C)
O Império Romano é lembrado como um dos maiores e mais gloriosos impérios da história. Mas Roma produzia muito pouco e à medida que o Império crescia, também crescia o desejo de luxo dos grandes reis e os custos para conquistar novos territórios e manter um imenso exército, corpo burocrata e as pessoas sem função da cidade.
Para manter essa estrutura, cidadãos do Império Romano eram obrigados a pagar altos tributos ao governo. O não pagamento resultava em confiscos de bens e propriedades. O governo também mantinha programas de distribuição de grãos para a população urbana a partir do confisco de produtores rurais.
Quando Júlio César chegou ao poder pela primeira vez (44 a.C), quase um terço do povo recebia trigo de graça. O imperador Aureliano (270 a c) subsidiou o preço do vinho, do sal e da carne de porco para as missas na cidade de Roma e subsidiou óleo, vinho, trigo, carne, couro e roupas para o sustento do exército com ‘doações obrigatórias.’
Em casos de traição, conspiração ou outros crimes contra o Estado, os culpados tinham suas propriedades e bens confiscados pelo governo como punição. Caracalla (217 d.C) aumentou o pagamento do exército com moedas adulteradas e prata, confiscando a propriedade das pessoas que ele julgava desleais.
Durante períodos de escassez, o governo podia confiscar os estoques de grãos de comerciantes ou produtores. Na época de Diocleciano (243 d.C), os romanos foram forçados a vender seus animais, ferramentas, a própria terra, se render a escravidão e vender os próprios filhos para pagar os tributos.
No final do século IV, o império já havia atingido o auge e iniciava um declínio acentuado com as cargas cada vez maiores de tributação e de burocracia. O imperador Valentiniano III, que governou o Império entre 425 e 455, reconheceu:
"se reivindicarmos essas despesas do proprietário de terras, além do que ele já paga, tal extorsão esmagará suas últimas forças débeis; se novamente os exigirmos dos mercadores, eles inevitavelmente afundarão sob o peso de tal fardo.”
Depois de fazer essa observação, Valentiniano impôs um novo imposto sobre vendas. O governo assumiu o controle direto da administração da economia e excluiu os pequenos comerciantes independentes, proprietários de terras, fabricantes e empresários.
Em suas últimas décadas, Roma havia se tornado outra economia administrada pelo Estado, um império sem dinheiro e sem mercados.
2. 'Revolução' Russa (1917)
Durante a Revolução Russa de 1917 e o período subsequente da União Soviética, houve vários confiscos de propriedades, terras, bens e empresas como parte das políticas de implementação do sistema socialista.
O governo soviético implementou uma política de nacionalização de indústrias e empresa, que resultou no confisco de empresas, fábricas e propriedades de empresários e proprietários. A indústria se tornou uma atividade praticamente exclusiva do Estado.
Na década de 1930, a União Soviética promoveu uma política de coletivização agrícola, que envolveu o confisco de terras de camponeses independentes e sua incorporação em fazendas coletivas. Os camponeses perderam o controle individual sobre suas terras e passaram a trabalhar em conjunto na produção agrícola. O governo bolchevique também implementou medidas que nacionalizaram o sistema bancário e expropriaram as propriedades privadas. Isso incluiu o confisco de ativos bancários e poupanças.
Durante o governo de Joseph Stalin (1922-1953), opositores políticos ao regime foram perseguidos e tiveram suas propriedades e bens confiscados. Durante o período soviético, algumas minorias étnicas e religiosas foram perseguidas e tiveram suas propriedades e bens confiscados, especialmente durante as campanhas para eliminar a religião e a cultura religiosa.
Os confiscos foram realizados com a justificativa da redistribuição da riqueza e de uma sociedade mais igualitária.
3. Estados Unidos (1933)
Durante a Primeira Guerra Mundial, a economia norte americana se beneficiou da exportação de alimentos e produtos industrializados para os países aliados e a economia norte-americana viveu um período de grande crescimento, inaugurando o ‘‘American Way of Life’’.
Com o fim da Guerra, a demanda da Europa retraiu e os Estados Unidos não tinham pra quem vender sua produção, causando um choque de oferta que levou à queda dos preços, desemprego e o crash da bolsa em 1929.
A quebra do mercado acionário em 1929 causou pânico e as pessoas correram aos bancos para converter seu papel-moeda em ouro, como o governo garantia. Devido ao desespero, vários estados americanos começaram a adotar feriados bancários para tentar controlar o fluxo dos pedidos e a corrida aos bancos.
Em 1932 ocorreram as eleições presidenciais. O novo presidente, Franklin Roosevelt foi eleito com uma série de medidas focadas em restabelecer a economia americana. Entre as ações, estava um novo pacote econômico, conhecido como New Deal, cujas ideias de recuperação da economia tinham como base maior intervenção estatal na economia.
Entre as medidas de Roosevelt, estava a Lei Emergencial Bancária (EBA) que permitia que alguns bancos emitissem mais moedas para honrar os pedidos de saques. Mas havia um problema: o limite do ouro. A Lei do Federal Reserve de 1913 exigia que as Notas emitidas tivessem um lastro de 40% em ouro. No final da década de 1920, o Federal Reserve já havia atingido seu limite e não poderia emitir mais nenhum dinheiro.
Para resolver esse problema e ‘‘fornecer alívio à emergência nacional’’ , Franklin Roosevelt emitiu a Ordem Executiva 6102, proibindo a posse individual de ouro e obrigando as pessoas a entregarem todo seu ouro para o Banco Central.
Segundo o presidente, a ordem era necessária porque ‘a acumulação de ouro paralisava o crescimento econômico e piorava a depressão.’’
O acúmulo de moedas de ouro ou prata se tornava crime sob pena de $ 10.000 de multa e/ou dez anos de prisão. A partir dessa Ordem, todos eram obrigados a vender seu ouro ao governo a uma taxa fixa e estipulada por ele, US$20,67 por onça-troy.
Em 30 de janeiro de 1934, menos de um anos depois, Roosevelt assinou o Gold Reserve Act, que estabelecia que o Presidente poderia decidir por decreto o valor do dólar em ouro. Com esse poder em mãos, o governo deu um grande golpe na sua população, aumentando a taxa de ouro por dólar, para US$35 por orça-troy.
A medida causou a perda de 60% do valor do dólar que as pessoas haviam recebido a pouco menos de um ano e liberou o Federal Reserve para imprimir mais dinheiro. Durante 40 anos, a posse do ouro foi criminalizada. Em 1971 os EUA aboliram completamente a conversibilidade do dólar em ouro. E apenas em 1974 a posse de ouro foi novamente permitida.
4. 'Revolução' Cubana (1959)
Durante a Revolução Cubana de 1959, liderada por Fidel Castro e, uma série de medidas foram implementadas. Uma dessas medidas foi o confisco de bens pertencentes a indivíduos e empresas que eram considerados apoiadores do regime ditatorial de Fulgêncio Batista ou que eram ligados a interesses estrangeiros, especialmente aos Estados Unidos. O confisco de bens também visava enfraquecer a influência dos interesses estrangeiros na economia e na política cubana.
O governo revolucionário cubano também promoveu a nacionalização de várias indústrias e empresas, incluindo setores-chave da economia, como mineração, petróleo, telecomunicações, energia elétrica e transporte. Grandes empresas estrangeiras, especialmente americanas, tiveram seus ativos confiscados pelo governo. O governo também assumiu o controle dos meios de comunicação e impôs a censura à imprensa.
Durante a Revolução Cubana também ocorreu o confisco de grandes propriedades agrícolas pertencentes a latifundiários e corporações estrangeiras e de propriedades urbanas, como hotéis, cassinos e imóveis de luxo.
Essas medidas de confisco de bens foram fundamentais para consolidar o poder do novo 'governo revolucionário' e reduzir a influência de interesses estrangeiros em Cuba.
5. 'Revolução' Islâmica no Irã (1979)
Após a queda da monarquia de Xá Mohammad Reza Pahlavi, Aiatolá Ruhollah Khomeini estabeleceu um novo governo em 1979 com uma série de medidas para consolidar o novo regime e implementar mudanças de acordo com os princípios islâmicos. Entre essas medidas, houve o confisco de ativos de instituições e indivíduos que eram associados ao antigo regime, considerados colaboradores estrangeiros ou vistos como uma ameaça ao novo governo islâmico.
Durante a Revolução Islâmica empresas estrangeiras, especialmente as relacionadas aos interesses dos Estados Unidos e outras nações ocidentais foram nacionalizadas e seus ativos foram tomados pelo governo iraniano. Isso incluía empresas de petróleo, bancos e outras instituições financeiras.
As propriedades e riquezas pessoais do Xá Mohammad Reza Pahlavi e seus familiares foram confiscadas pelo novo governo islâmico. Empresas e instituições que eram vistas como apoiadoras do Xá ou do antigo regime foram confiscadas ou sujeitas a controle estatal. Além das empresas estrangeiras, várias indústrias-chave e setores econômicos foram nacionalizados, incluindo a indústria do petróleo, a indústria bancária e outras áreas consideradas estratégicas para a economia do país.
O confisco de ativos durante a Revolução Islâmica foi parte de uma campanha mais ampla conhecida como "Reforma Agrária e Justiça Social". O objetivo da campanha segundo seus líderes, era a distribuição de riqueza e terras e a eliminação da influência e a riqueza acumulada pelas elites associadas ao Xá e seus aliados estrangeiros, especialmente os Estados Unidos.
6. Confisco de contas bancárias Fiji (1987)
Em 1987, ocorreu um golpe militar no país de Fiji, que resultou na deposição do governo democrático e na instauração de um governo militar liderado pelo Comandante Frank Bainimarama. O golpe foi motivado por tensões étnicas e políticas entre a maioria indígena fijiana e a minoria indo-fijiana. O governo deposto era liderado por um primeiro-ministro indo-fijiano, o Dr. Timoci Bavadra, o que gerou insatisfação entre certos setores da população indígena.
Após o golpe, o novo governo implementou uma série de medidas, incluindo o confisco de contas bancárias e restrição de liberdades dos indivíduos associados à comunidade indo-fijiana. A justificativa para os confiscos era o combate à corrupção e eliminar supostas influências prejudiciais ao país.
O confisco de contas bancárias durante esse período teve impactos significativos na economia e na estabilidade política de Fiji. Investidores estrangeiros, preocupados com a instabilidade política e econômica, buscaram retirar o capital do país, o que afetou negativamente o crescimento econômico e o ambiente de negócios do país.
Além disso, o confisco de contas bancárias gerou tensões étnicas e descontentamento ainda maiores entre as comunidade indo-fijiana e indígena fijiana. O país continuou enfrentando desafios relacionados à questão étnica e à governança democrática ao longo dos anos seguintes.
7. Confisco da Poupança no Brasil (1990)
O confisco da poupança no Brasil ocorreu em 1990, durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello. Foi um dos eventos mais marcantes e polêmicos da história econômica do país, afetando milhões de brasileiros.
Fernando Collor foi eleito presidente em 1989, prometendo combater a inflação e promover mudanças econômicas radicais. Em meio a uma grave crise econômica e inflação galopante, de mais de 80% ao mês, Collor lançou um programa de estabilização econômica chamado "Plano Collor", que buscava conter a inflação e reestruturar a economia.
Entre as medidas do programa estava o confisco dos ativos financeiros de todos os brasileiros. Essa medida incluía não apenas contas bancárias, mas também a poupança e outros investimentos.
A justificativa do governo era combater a inflação, controlar o déficit público e reverter a crise econômica do país. O plano consistia em congelar os depósitos bancários e valores em contas correntes acima de 50 mil cruzeiros (valor da moeda à época). Além disso, os valores excedentes a esse limite seriam convertidos em um título chamado "Tesouro Nacional" e só seriam liberados para saque após um período de 18 meses, com correção monetária. A medida também proibia a realização de saques em valores superiores a 50 mil cruzeiros.
Do dia para noite, milhões de pessoas viram suas economias desaparecerem e ficaram impossibilitados de acessar seus próprios recursos financeiros para honrar compromissos e pagar contas.
A confiança no sistema financeiro brasileiro foi gravemente abalada, e houve protestos e manifestações em todo o país. A medida não alcançou o efeito esperado no combate à inflação e na recuperação econômica. Além disso, suspeitas de corrupção e irregularidades no governo de Collor foram aumentando, e em 1992, o presidente foi alvo de um processo de impeachment. Em meio a esse cenário de instabilidade política e econômica, Collor acabou renunciando à presidência antes de ser condenado pelo Senado, assumindo o vice-presidente Itamar Franco.
Esse episódio do confisco da poupança deixou marcas profundas na memória do povo brasileiro e é lembrado até hoje como um dos momentos mais difíceis da história econômica do país.
8. Confisco Bancário do Chipre (2013)
Em 2013 o Chipre enfrentava uma grave crise financeira. Como parte do plano de resgate financeiro negociado com a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), o governo cipriota propôs o confisco de parte dos depósitos bancários com a justificativa da medida ajudar a financiar o resgate do país.
O plano original previa que todos os depositantes cipriotas, independentemente do valor de suas economias, teriam uma parcela de seus depósitos bancários retida como taxa que consistia em aplicar três diferentes alíquotas de confisco:
- 6,75% para depósitos abaixo de 100.000 euros;
- 9,9% para depósitos acima de 100.000 euros.
Essa medida tinha o objetivo de arrecadar cerca de 5,8 bilhões de euros, como parte das condições para que o país recebesse um pacote de ajuda financeira no valor de 10 bilhões de euros para evitar o colapso de seu sistema bancário e possibilitar a estabilização econômica.
A população, claro, fez filas em caixas eletrônicos e agências bancárias, com muitos tentando retirar seus fundos antes que o confisco fosse aplicado. O medo de que a medida pudesse levar a uma corrida bancária e a um colapso do sistema financeiro em outros países europeus também causou agitação nos mercados financeiros internacionais.
Diante da crescente pressão popular, o parlamento de Chipre rejeitou inicialmente o plano original. Um novo acordo foi alcançado em que os depósitos abaixo de 100.000 euros foram protegidos, mas os depósitos acima desse valor foram sujeitos a um confisco mais elevado, em torno de 40% em alguns casos, especialmente para os maiores depositantes.
9. Fechamento dos Bancos na Grécia (2015)
Em 2015, a Grécia enfrentou uma das piores crises financeiras de sua história moderna, decorrente de uma série de problemas econômicos e fiscais ao longo dos anos. A situação se agravou a tal ponto que o país ficou à beira do calote em suas dívidas e da saída da zona do euro, um cenário conhecido como "Grexit" (Grécia + Exit) devido ao impasse nas negociações com os credores internacionais.
Para ‘‘proteger o sistema bancário’’, o governo grego tomou uma medida drástica em 2015: fechou os bancos em todo o país. O fechamento temporário dos bancos foi uma medida de controle de capital, que tinha como objetivo evitar uma corrida bancária e impedir que os cidadãos retirassem grandes quantias de dinheiro dos bancos. A medida também impunha limites aos saques em caixas eletrônicos e restrições nas transferências bancárias para o exterior.
Durante o período de fechamento dos bancos, a população grega enfrentou grandes dificuldades financeiras, com restrições ao acesso aos seus próprios recursos bancários. O fechamento dos bancos gerou ainda mais incerteza e insegurança entre os cidadãos gregos e nos mercados financeiros internacionais.
As negociações com os credores internacionais se arrastaram, e a possibilidade de a Grécia deixar a zona do euro permaneceu como uma ameaça real e os bancos permaneceram fechados por 3 semanas.
Em julho de 2015, após semanas de negociações e incertezas, a Grécia e os credores internacionais chegaram a um acordo para um novo programa de resgate financeiro, com a aprovação de reformas econômicas e fiscais em troca do apoio financeiro necessário para evitar o default e a saída da zona do euro.
O episódio do fechamento dos bancos destacou a fragilidade do sistema financeiro tradicional.
10. Congelamento de Contas no Canadá (2022)
No dia 14 de fevereiro de 2022, ministra das Finanças, Chrystia Freeland,e primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciaram que os bancos estavam autorizados a congelar as contas de pessoas envolvidas nas manifestações contra as medidas do Covid e as restrições de emissão de carbono. Além disso, as plataformas de financiamento coletivo utilizadas pelos manifestantes para receber doações em apoio teriam que reportar quaisquer atividades envolvendo os apoiadores do movimento.
"A partir de hoje, um banco ou outro provedor de serviços financeiros poderá congelar ou suspender imediatamente uma conta sem a necessidade de ordem judicial. Ao fazê-lo, eles estarão protegidos contra responsabilidade civil por ações tomadas de boa-fé. Trata-se de seguir o dinheiro. Trata-se de parar o financiamento desses bloqueios ilegais. Estamos hoje notificando: se seu caminhão estiver sendo usado nesses bloqueios ilegais, suas contas corporativas serão congeladas. O seguro de seu veículo será suspenso", disse a ministra.
As medidas foram anunciadas após o primeiro-ministro invocar a Lei de Emergência de 1988. Ao acionar essa Lei, o governo pode autorizar medidas especiais para garantir 'a segurança durante emergências nacionais'.
"Com essa lei, o governo pode requisitar bens, serviços e pessoas, dizer às pessoas aonde ir, aonde não ir. Há poucos limites para o que o governo pode fazer", explicou Geneviève Tellier, professora de estudos políticos na Universidade de Ottawa.